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26 dezembro, 2009

Rimbaud - tuas vogais e as minhas

meu A não é negro, e sim, vermelho
boca caliente, língua salivante
cereja entre os dentes

o E pode ser branco; pequena sintonia ?
lanças de gelo buscando pela luz do sol
uma empatia em nossa sinestesia?

I é prata, foge do sangue
grita feliz no fio da navalha

meu U, sim, é negro como o Urubu
do seu verde - só rouba do L a luz

e O azul do seu O/lho
é a transparência do meu


Vogais - Arthur Rimbaud


A negro, E branco, I vermelho, U verde, O azul; vogais
Direi algum dia de vossos nascimentos ocultos
A, negro espartilho peludo das moscas tumultos
Rondando fedores cruéis demais,

Golfos de sombra; E, candura de vapor e de tenda,
Lanças de geleiras altivas, reis brancos, tremos de umbelas
I, púrpuras, sangue cuspido, riso dos lábios belos
Na cólera ou na embriaguez oferenda;

U, ciclos, vibrações divinas do verde mar,
Paz dos pastos semeados de animais, paz das rugas
Que a alquimia imprime na fronte a estudar;

O supremo clarim pleno de estranhos agudos
Silêncios cruzados por anjos e mundos:
- Ô, o ômega, raio violeta de Seus Olhos!



25 novembro, 2009

Casulo

tudo tão morno
tão calmo

parado
seguro

eu vou
mas volto

espere-me
com bandagens
e anticépticos

ou apenas
um beijo




22 novembro, 2009


Se a dor passar
e eu poder olhar
com olhos de esperança
a vida que corre rápido
sem querer saber se posso
caminhar por estradas espinhosas
que atiçam minhas feridas ainda em chagas abertas

Se a dor passar
e eu querer ver o sol que desponta no amanhecer
usufruir de cada raio seu
para aquecer e iluminar minha alma tenebrosa

Voltarei a viver
se a dor passar...

12 novembro, 2009

Renascer


essa garoa que molha a minha pele
ameniza a aridez contida
a secura de toda uma vida

fico na chuva
esperando renovação
quisera eu renascer
cheio de fé e esperança
com a curiosidade de uma criança

07 novembro, 2009

Fragmentos



preencho as lacunas
do tempo
com versos
amor

busco na tua
ausência
a flor

perfumes
incensos
ungüentos
para aliviar
a dor

01 novembro, 2009

Repetidas vezes meu silêncio é quebrado por vários gritos de inúmeros lugares, mas ele finge não ouvir e continua quieto.
Quando despertará?
Preciso de um grito em meu silêncio; um grito que ecoe pelos quatro cantos do mundo... Ou de minha vida....
Um grito tão forte que rompa com toda a minha inércia, com toda minha pouca fé ou minha fé nenhuma...
Um grito que me faça crer na razão de existir, na razão da escolha, na diferença entre o bem e o mal, entre o ódio e o amor.
Um grito que me faça fazer porque é preciso ser feito. Acreditando que nada está premeditado, que tudo é feito segundo a nossa vontade...
"Já está escrito, já está previsto." Será isto verdade?!
Mesmo que eu realize a melhor coisa não terei praticado bem algum, pois a missão já me havia sido imposta, ou a pior coisa, não terei pecado?
Ou então, não há nada além desse mundo e se não nos realizarmos aqui teríamos tido uma vida inútil; aí então eu estaria perdendo todo o meu tempo com meu silêncio e escuta...
Mas não creio nisto, não sinto isto.
Em meu silêncio escuto sons vindo de longe, do infinito, e alguma coisa me puxando pra lá.
Alguma coisa doce, fresca como a brisa do amanhã em meio a relva!
E é isto que me acalma e mata o desespero que por ora se apossa de mim, que me tira a angústia da alma, dando-me a calma e a sensação de poder voar como uma borboleta, de poder exalar perfume como as flores e que acima de tudo me dá um gosto enorme do viver!

31 outubro, 2009

Dama da noite


antes de entrar e me enterrar
no cotidiano doloroso
e maçante dos meus dias
tinha o prazer de seu perfume
no portão,
escandalosamente,
irradiava seu intenso aroma
inebriante
despida para a lua que já ia
despedindo-se da noite
para o seu discreto dia

sonho com madrugadas sonolentas
e o êxtase de ter você no meu quintal

14 outubro, 2009

Perdendo raízes

não nasci nesse mundo
de tanta modernidade
sou pé no chão
bicho no pé
todos à mesa
na hora do café

abolida a escravidão
continuamos na servidão
presos na algema
do desenvolvimento

"essa modernidade tão líquida"
leva tudo água abaixo ...

23 setembro, 2009

Capengando


ando catando palavras

capengas

que escreva essa vida arenga

em todo canto

a mesma lengalenga

na estrada mais torta

que a vida torta

rejeito o áspide

da tirania

a espicaçar

meu dia a dia

venero a noite e o luar

e as estrelas a me acariciar

21 setembro, 2009

Alvo


não sigo
espero

sigo por estrada nenhuma e
sinto que estou preste a chegar

espero
nessa vida
que não é minha
vida de muitos

vagueio
por vielas escuras,
atalhos...
ando a espreita

tenho a alma em festa
uma felicidade que não sei
nem de onde vem

fico de tocaia
ela vem de lá
de longe

longe
que já vislumbra
no horizonte

sinto que falta pouco
mantenho m`alma em festa

11 setembro, 2009

Memória

Dona Jorgina
benzedeira
tinha um sol na boca
que escancarava luminosidade

Cheia de chamego
com o seu Dego
rapazinho feito
tomava leite com café
na mamadeira
escondido embaixo da toalha de plástico xadrez
que cobria a mesa de madeira crua
encardida pelo tempo e gordura

No fogão a lenha
caçava as brasas acesas
para benzer um quebranto

... Não sei onde deixei minhas

chaves

02 setembro, 2009

Janela

“Menina, não pula a janela!
Quem pula a janela vira ladrão.”

amava àquela janela
peitoril largo
podia sentar-me
recostada no batente
e ver ali passar toda a gente
cachorro
cavalo
e até a boiada

quando me tiravam de lá
deitava-me no chão da sala
e olhava o movimento
que refletia no espelho do retrato
as sombras em miniaturas
parecia fita de cinema

hoje não tem gente
não tem bicho
ou movimento
na janela sem parapeito
sentada na ponta do leito
a vida passa vazia

10 agosto, 2009

Outras flores


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Além de nossos umbigos
e de pétalas perfumadas
há rosas rubras
de carne esganiçada
pelos gritos de dor

De fomes que circulam
violências que perduram
periféricas a prédios e céus

Olhos estarrecidos
(mal cabem em seus corpos)
não conhecem outra beleza
que a infinita pobreza

Pétalas que morrem no silêncio
da ausência democrática
na partilha desigual
maior a dor; sem cor

Desfalece em cinzas
soltas ao vento do
esquecimento.

-->

09 agosto, 2009

Hora da sesta


garfo no prato
água na valeta
o fumo na palha
a palha na boca
o sono na rede
passarinho no ninho
criança no berço
preguiça nos ossos
a quietude do silêncio
a paz da solidão
o som do pensamento
a alma que vagueia
no embalo da cadeira
das roupas no varal
das sombras no quintal
do rabo do burro
o burro em cima da sombra...
letargia
é meio dia